A
segunda-feira negra de Guernica
Era uma segunda-feira, dia de feira-livre na pequena cidade
da Biscaia, região norte da Espanha no País Basco. Das redondezas
chegavam as suas estreitas ruas os camponeses do vale de Guernica,
trazendo seus produtos para o grande encontro semanal. A praça
ainda estava bem movimentada quando, antes das cinco da tarde,
os sinos começaram a badalar freneticamente. Tratava-se de mais
uma incursão aérea. Até aquele dia fatídico - 26 de abril de
1937 - Guernica só havia visto os aviões nazistas da Legião
Condor passarem sobre ela em direção a alvos mais importantes,
situados mais além, como a capital Bilbao. Mas aquela segunda-feira
foi diferente. A primeira leva de aviões Heinkel despejou suas
bombas sobre a cidadezinha precisamente às 16:45 horas. Durante
as 2 horas e 45 minutos seguintes os moradores viram o inferno
desabar sobre eles. Estonteados e desesperados saíram para aos
arredores do lugarejo, onde mortíferas rajadas de metralhadora
disparada pelos caças os mataram aos magotes. No fim da jornada
contaram-se 1.654 mortos e 889 feridos, numa população não superior
a sete mil habitantes - 40% da população local havia sido morta
ou gravemente ferida. A repercussão negativa foi tão grande
que os nacionalistas espanhóis trataram logo de atribuí-la aos
comunistas ou libertários que lutavam na Guerra Civil Espanhola.
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A Guernica de Picasso
Esteticamente quem melhor captou esse sentimento foi Pablo Picasso.
Vivendo em Paris desde o início do século, já era uma celebridade
quando o Governo da Frente Popular o procurou para que fizesse
algumas telas para arrecadar fundos para a República. A violência
e a indignação que causou o bombardeio fez com que ele se concentrasse
por cinco meses numa grande tela, quase um mural (3,50 x 7,82
metros). A primeira aparição desse quadro ocorreu numa Exposição
Internacional sobre a Vida Moderna em Paris, no dia 4 de junho
de 1937. O público virou-lhe as costas.
Não era algo belo de ser visto. Picasso, para retratar o clima
sombrio que envolvia o desastre, utilizou-se da cor negra, do
cinza e do branco. Como nunca a máxima de Giulio Carlo Argan,
segundo a qual a "arte não é efusão lírica, é problema", foi
tão explícita quanto nessa composição de Picasso. O painel encontra-se
dominado no alto pela luz de um olho-lâmpada - símbolo da mortífera
tecnologia - seguida de duas figuras de animais. No centro um
cavalo apavorado em disparada, representa as forças irracionais
da destruição. Na direita dele, impassível, um perfil picassiano
de um touro imóvel. Talvez seja símbolo da Espanha em guerra
civil, impotente perante a destruição que a envolvia. Logo abaixo
do touro, encontramos uma mãe com o filho morto no colo. Ela
clama aos céus por uma intervenção. Trata-se da moderna"pietá"
de Picasso. Uma figura masculina, geometricamente esquartejada,
domina as partes inferiores. À direita, uma mulher, com seios
expostos e grávida, voltada para a luz, implora pela vida, enquanto
outra, incinerada, ergue inutilmente os braços para o vazio,
enquanto uma casa arde em chamas. Naquele caos a tecnologia
aparece esmagando a vida.
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